Entenda as acusações envolvendo o Ministério do Turismo

Da Folha.com

A crise que atinge o ministro do Turismo, Pedro Novais, e pode levar a sua saída começou no mês passado, com uma operação da Polícia Federal que prendeu parte da cúpula da pasta.

A Operação Voucher, deflagrada no dia 9 de agosto, investiga um suposto esquema de desvios relacionados a convênio firmado entre a ONG Ibrasi (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável) e o Ministério do Turismo para capacitação profissional no Amapá.

Ao todo, 37 pessoas foram presas na operação em Brasília, São Paulo e no Amapá, incluindo o então secretário-executivo do ministério, Frederico Silva da Costa, que estava na pasta desde 2003.

As investigações, que começaram em abril deste ano, apontam que os R$ 4 milhões do Ministério do Turismo que deveriam treinar pessoas no Amapá foram desviados por meio de todo o tipo de fraude, incluindo ONG de fachada, notas fiscais falsas e a conivência de funcionários públicos.

Os problemas começam desde a escolha da instituição, feita pela deputada federal Fátima Pelaes (PMDB-AP) por meio de emenda parlamentar. A entidade, apesar de criada em 2006, não funcionou até junho de 2009, quando uma reunião de conselheiros mudou o nome e a finalidade da entidade para trabalhar com turismo.

Mesmo sem experiência no setor, a PF afirma que o Ibrasi apresentou atestados falsos de que trabalhou para instituições públicas e, assim, conseguiu o aval do ministério para receber os recursos da emenda.

Segundo a polícia, o plano de trabalho para gastar o dinheiro contém situações que seriam absurdas, como a previsão de treinar 6.900 pessoas no Amapá. Destas, 5.000 por vídeo conferência.

As informações, classificadas como “manifestamente falsas” pela Justiça, foram acatadas por funcionários públicos para aceitar os convênios e liberar os pagamentos, alguns antes da comprovação do serviço.

NOTAS FALSAS

Muitas das notas fiscais apresentadas pela ONG eram falsas, segundo uma perícia feita pela PF. A polícia chegou a conclusão que notas de empresas diferentes, situadas em Estados diferentes, eram preenchidas pela mesma pessoa. Nas gravações telefônicas feitas com autorização judicial, os funcionários do Ibrasi diziam quais valores seus clientes deveriam incluir na nota.

A fraude acontecia porque os clientes eram os próprios donos da ONG. O diretor financeiro da instituição, Sandro Saad, teve uma de suas empresas, a Manhattan, contratada por R$ 1,2 milhão pelo Ibrasi com o dinheiro público.

Para ser contratada, a empresa participou de uma suposta concorrência contra a MPG, empresa que tem como sócio o mesmo Sandro Saad.

Segundo a PF, todas as supostas concorrências do Ibrasi foram forjadas, usando as chamadas “empresas de cobertura”. Desta forma, a concorrência já estava direcionada e outras empresas entravam com preços maiores para dar cobertura à vitória da escolhida. Mas, neste caso, a combinação deu errado.

Uma das companhias usadas não foi avisada da cobertura e, quando a Polícia Federal foi investigar, em abril, o dono ligou para um dos operadores do esquema e falou: “Tá (sic) cinco policiais [na empresa dele], não mandei você usar porra (sic) nenhuma da minha empresa”.

‘AJUDA’ DO NÚMERO 2

A cobertura para o esquema fraudulento também acontecia dentro do ministério, conforme aponta a PF. Em conversas telefônicas, uma funcionária do ministério diz que foi designada pelo então secretário-executivo para ir até o escritório de um dos empresários para ajeitar a prestação de contas.

As investigações também mostram uma gravação que indica que o então secretário-executivo da pasta sabia do esquema. Após uma reunião, relata a funcionária, a secretaria de Treinamento da pasta, Regina Cavalcante, saiu da sala dizendo que Costa “sabia de tudo, tudo que a gente fazia era por ordem dele”.

Desde abril, funcionários de empresas já sabiam que estavam sendo monitorados. Em um dos diálogos, um empresário diz que “estão fechando o cerco” e, segundo a PF, havia vários indícios de que estavam destruindo provas.

EMENDA

No dia 20 de agosto, a Folha revelou que, no ano passado, quando exercia o mandato de deputado federal, o ministro da pasta, Pedro Novais, apresentou emenda ao Orçamento da União para destinar R$ 1 milhão do Turismo à construção de uma ponte em Barra do Corda (450 km ao sul de São Luís).

Na ocasião, Novais informou que direcionou recursos de emenda para Barra do Corda quando era deputado por avaliar que o turismo pode ajudar a cidade a garantir mais qualidade de vida à população local.

OBRAS

No dia seguinte, a reportagem revelou que o Ministério do Turismo gastou R$ 351,7 milhões nos últimos dois anos em obras que nada têm a ver com o setor: drenagem, esgotamento sanitário, praças e pontes. A maior parte das cidades que receberam as melhorias têm pouco ou nenhum fluxo de visitantes e turistas.

Dos 841 municípios beneficiados pelos convênios de infraestrutura, somente 105 estão na lista dos considerados relevantes para turismo. Essa relação, feita pelo próprio ministério, é composta por 584 localidades.

A Folha também informou que recursos assegurados pelo ministro do Turismo para uma obra no Maranhão beneficiaram uma cidade sem nenhuma vocação turística e uma empreiteira fantasma, cuja sede fica em um conjunto habitacional na periferia de São Luís, a capital do Estado.

Segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, Novais também usou dinheiro público para bancar uma festa num motel.

DENÚNCIA

No final de agosto, o procurador da República no Amapá Celso Leal apresentou quatro denúncias contra 21 envolvidos em desvios do Ministério do Turismo.

A peça foi distribuída ao juiz federal Mauro Henrique Vieira, da 1ª Vara Federal do Amapá. As acusações são de formação de quadrilha, falsidade ideológica, peculato (desvio praticado por servidor) e uso de falsificação de documentos. Entre os denunciados estão servidores públicos e empresários.

GOVERNANTA

No dia 13 de setembro, a Folha publicou reportagem afirmando que o ministro do Turismo usou dinheiro público para bancar o salário da governanta de seu apartamento em Brasília.

O pagamento é irregular: foi feito de 2003 a 2010, quando Novais era deputado federal pelo PMDB do Maranhão.

A empregada Doralice Bento de Sousa, 49, recebia como secretária parlamentar na Câmara, nomeada por Novais.

Novais afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que Doralice de Sousa trabalhou até dezembro no seu gabinete como secretária parlamentar.

Segundo a assessoria, a função de Dora era dar “apoio administrativo ao deputado e outros funcionários”.

MOTORISTA

Nova reportagem da Folha, nesta quarta-feira (14), mostrou que a mulher do ministro do Turismo usa irregularmente um funcionário da Câmara dos Deputados como motorista particular.

O servidor, Adão dos Santos Pereira, fica dia e noite à disposição da mulher do ministro, Maria Helena de Melo, 65, que é funcionária pública aposentada e não trabalha no Congresso.

Em nota, o ministro disse que Pereira foi seu motorista até ser exonerado em dezembro, quando Novais deixou a Câmara para assumir o ministério. A nota diz que Adão dirigia o mesmo carro usado pela mulher do ministro nas últimas semanas e afirma que o carro é alugado.

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